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e ela estava ainda mais bonita, não estava comigo, e não tê-la dava um brilho nos olhos, brilho que nunca enxerguei quando a tive, talvez porque olhasse tantos olhos, quadris, que não reparei no brilho dos olhos… dos olhos dela… aqueles olhos quentes e úmidos que tanto me olhavam, e agora longe brilhavam lindos (pausa) seu quadril também estava mais bonito, mas os olhos…

Sonho

Quando transborda o coração, nasce texto.

– uma madrugada feliz –

Sonhei que a casa da tia Helô estava a uma quadra de distância, e que para chegar até a casa da tia Gorete bastava atravessar a rua.
Sonhei com o cheiro da praia, o barulho do vento e até senti a areia entre os dedos.
Então acordei com a realidade triste de uma distância forçada, amarga.
Mas se a distância era amarga, a saudade me foi doce. Com o sabor gostoso de todas as coisas do meu Maranhão:

Era uma mistura de café da tia Helô

lanche do tio Tavares

beiju da tia Gorete

chopp do Carlos

batida do Pedro

cachorro-quente da Jéssica

pipoca da Aninha

Amendoim do Tatá

Rapadura do Teteu

e de tantas outras coisas que tornam amarga a impossibilidade de prová-las mais uma vez

São dez anos de saudade resumidos em quinze dias de beijos. O tipo de beijo que estala a bochecha e o coração.

Maranhão

O cheiro do Maranhão impregnou minha casa. Esse cheiro amadeirado que parece praia. Cheiro de café da manhã, manga logo mais, churrasco pro almoço e mexerica só pra finalizar. O cheiro daquele perfume delicioso ainda está no travesseiro, misturado com esse cheiro de mar que só tem quem guarda o sol na pele. O cheiro do Maranhão impregnou meu coração. O pior é que eu tinha esquecido desse cheiro. Tinha esquecido de como é maravilhoso ser abraçada várias vezes ao dia, sem nenhuma razão aparente: só porque abraçar é bom demais. Tinha esquecido de como é ser beijada. Não um beijo qualquer, mas aquele beijo verdadeiro. O beijo que estala na alma, e que só quem ama sabe dar.

Acima de tudo, tinha esquecido de como a saudade dói.

A saudade não se traduz, nem se explica, ela cala no peito. Está na falta que se sente das pequenas coisas. A falta do riso, do beijo, do abraço, dos mimos e carinhos distribuídos a cada minuto. Tudo isso de graça, sem cobrança, sem pra quê.

Minha casa está cheirando a Maranhão, e manterei esse cheiro pelo tempo que der. No dia em que seu cheiro for embora, irei buscá-lo. Trarei comigo, no riso, a cor e o cheiro dessa terra tão distinta que guardo no coração.

Substituto

Andei vendo você em outros rostos, em outras esquinas.

Topamos centenas de vezes, eu tinha certeza de que era você. Era você! Quase agarrei dezenas de ombros, sacudindo na esperança de que você visse a mim. Mas, quando nos aproximávamos, percebia que era um engano, saía aos tropeços até o lado oposto, fingindo qualquer distração. Não demorava muito para ver seu rosto novamente.

Quase enlouqueci nesse jogo de esconde-esconde, eu procurando e você se escondendo. Você se escondia por tempo demais e quando resolvia aparecer eu o recebia como um filho pródigo.

Sempre soube que seria impossível encontrar você. Eu é quem seria encontrada, sempre. Só estávamos juntos pela sua vontade, nunca pela minha. Sofria, chorava, sonhava, acordava e vivia como quem sente a falta de uma parte de si. Você era meu braço – o direito. Escrevia por você, estudava por você, trabalhava e sonhava por você.

Quando você sumiu, desapareci um pouco de mim. Perdi meu braço, aquele que escrevia melhor. Aquele braço bom que sabia inventar histórias, fazer carinho e regar plantas. Perdi um pouquinho do meu dom, pois você roubou aquilo que havia de bom por aqui. Disse que apenas podaria meu jardim, mas levou consigo uma boa parte de rosas.

Então saí procurando seus rastros, seguindo suas migalhas. Segui até perder de vista e ver seu rosto em outras pessoas sem face. Sem seus olhos ou seu cheiro.

Até descobrir um outro rosto tão diferente do seu. Era um desses ombros quase sacudidos que acabou sacudindo os meus. Encontrei meu braço despedaçado e o substituí por outro muito melhor que o anterior.

Bugre

Hoje o céu ganhou outro convidado. E por ser tão difícil lidar com a realidade triste que decidi mudar algumas coisas nessa história.

Uni duas personalidades únicas dessa família tão incrível em um personagem, quem conhece saberá.

Beijo da Preta.

Já era tarde da noite quando o Bugre velho ao meu lado cutucou-me o ombro para que eu o ajudasse no caminho até o banheiro. Levantei e, com muito zelo, segurei meu gaúcho pelo braço, indo aos passitos pelo corredor.

Em seguidinha estávamos os dois deitados na cama, o Bugre tapado até o pescoço. Era noite de inverno e, de certo, de manhãzita iria gear. Meu Bugre velho virou o corpo de lado para me olhar e abriu aquele sorriso, já sem dentes, o mesmo sorriso de anos atrás.

— Lembra, minha chinoca? Fazia um frio como este, se não pior, quando te conheci.
— Lembro, claro que sim. Mas vamos que já é hora de dormir.
— Espera… As vezes me falha a memória e já nem sei direito das coisas. Agora voltou tudo, parece que foi há tão pouco tempo…

“Era um baita gauchão. Um metro e noventa, ombros largos, e não sei se mais metido ou se mais brigão. Gostava de fazer arruaça nos chinaredos e sempre saía com a china mais guapa no lombo do baio. Bugre de nome e de raça! Assim chamavam porque assim havia de ser, sempre com o facão do lado e qualquer desaforo era motivo de retalhar o tal atrevido!

Mas aquela chinoca desarmava qualquer gaúcho metido.

Fazia cinco graus, naquele friozão de setembro, ia até o bolicho para beber e falar de futebol quando a vi naquela rua pela primeira vez. A guria tinha um encanto, os cabelos louros trançados até as costas e mesmo com um abrigo de invernaço via-se as curvas daquele corpo de moça. Ela varria a calçada em frente a casa que devia morar, e eu fiquei tomado só pela presença dela. Juro que fiquei algum tempo admirando e até mesmo pensando em como prosear com aquela lindeza. Decidi, então, passar pela calçada, e fosse o que fosse!

— Tarde!

A guria ergueu os olhinhos e ficou rubra, toda vermelhinha. Não pude evitar o sorriso largo e me abanquei para prosearmos. Ali de pertinho era ainda mais guapa, a gauchinha. Apressentei-me e perguntei o nome da bela.

Édila, ela me respondeu, tímida, e naquele momento soube que seria minha.

Casamos, tivemos sete filhos e hoje, bem de pertinho, ainda vejo os olhos e a beleza daquela que laçou meu coração.”

Ouvi meu Bugre terminar a história e senti uma lágrima escorrer. Ele a beijou no canto dos meus olhos e me tapou até o pescoço, nos escondendo debaixo das cobertas.

— Daqui a pouquinho não terá mais dor, minha chinoca. E ficaremos juntos para sempre.

Dormimos juntinhos como na primeira vez. Agora estava descansada. Não estava mais sozinha.

Tio Tô e Péia.

Descansem em paz.

27 de fevereiro

Vó:

Lembra de quando eu era criança e você fingiu ter comido meus tomates de brinquedo? Acreditei até o último minuto, quando você viajou de volta para o Rio Grande do Sul e deixou uma carta devolvendo as fatias de tomate. 

Você se foi e levou uma parte de mim. Uma parte de palavras, de lágrimas, e aquele pedacinho do meu coração que sempre foi reservado a você. Se foram assim que sua respiração cessou e eu tive que te chamar só para tentar fazer com que escutasse minha voz e ficasse um pouco mais.

Egoísmo. Saudade. Amor.

Eu sabia que você já estava pronta. Tínhamos nos despedido um pouco antes, quando suas mãos ainda seguravam as minhas, seus olhos procuravam os meus e sua boca mandava-me beijos, mas eu nunca consegui pensar em uma realidade em que você não estivesse mais por aqui.

A rua Visconde de Pelotas perdeu sua presença forte e imponente. Perdeu seu cheiro de Natura Homem, de talco, e a cor de seu batom vermelho. 

O segundo dia de sua partida foi pior do que o dia em que seu coração parou de bater. Foi quando percebi que nunca mais a veria. Porque enquanto ainda estava ali, linda, deitada, parecia apenas um sono profundo, logo você abriria os olhos e aquele sorriso gostoso de guria faceira, impossível de não retribuir.

Apesar da dor, hoje tenho a certeza de que você está muito melhor que todos nós. Não precisa mais de cama ou de remédios. O céu está em festa, com todas as cervejinhas que sempre gostou de tomar e com o vô Hugo, que com certeza a tirou para uma dança. Ele esperou muito tempo pela gaúcha mais linda, aquela que colocava todas as outras no bolso.

Dança, minha guria. Ri, brinca, dança e cuida de todos nós que sofremos com a saudade de não poder mais sentar no seu colo e receber suas carícias.

Agradeço pelo tempo que tivemos juntas.

Eu amo você. E tive a oportunidade de dizer isso mais de uma vez.

Paladar

Enviei.

Com o medo que rasgava meu peito e escondia-se cada vez mais fundo. Doía, mas era uma dor só. Já estava feito. Não sabia qual dor era a pior; a dor de não saber o que esperar ou a de jamais tentar. Decidi provar a primeira, já que a segunda fazia parte do meu paladar.

Era tanto o meu desespero que precisava tentar. Lutar por alguma coisa, esperar por uma reação… Ainda que negativa. Qualquer coisa seria melhor que aquele silêncio, o nada que, de alguma maneira, acabou alagando nossos pés.

Ainda se meus pés molhados estivessem perto dos seus, não reclamaria. Faria questão de aproximá-los, molhados, unidos, embaixo do nada de nós dois.

Mas éramos os dois silenciados, um em cada canto, e eu não sabia muito bem por onde começar. Nunca soube.

Então revirei nossos arquivos antigos, nossa história – tão pequena – e procurei por algo que me fizesse lutar.

Porém, a única coisa que realmente me fez agir foi o buraco que se instalou em meu coração. A falta.

Sentia que esvaziava, morria vagarosamente sem ao menos saber o que teria sido de nós. Afinal… Fomos algo?

Eu ainda guardava nossas fotos. Aquelas suas, junto daquelas minhas. E sempre sorria ao pensar que elas existiam. Sorria ao pensar que você também poderia lembrar delas.

E deixava as madrugadas infinitas esperarem por qualquer sinal seu. Era quando a vontade de estar perto fazia-se tão imensa que qualquer coisa banal levava meu pensamento até você.

Enlouquecedor. Cheguei a pensar que enlouqueceria. Precisava ocupar minha mente de outras coisas além de sua barba, seu jeito e sua voz.

Ainda que eu saiba que meu espaço já pode ter sido substituído, preciso tentar. Experimentar todos esses sabores antes de me contentar com um.

Espero pelo seu gosto doce.

27 de Janeiro

ImagemCompletado um ano da data que marcou para sempre.

Quando penso na tragédia da Kiss, penso em como o tempo e as circunstâncias mudam tudo em nossa vida. Lembro de quando a Kiss era apenas uma boate, bem frequentada, cheia de boas lembranças. Lembro de ter ido apenas uma vez, em tempos melhores. Hoje, a Kiss tem uma conotação ruim, de dor e saudade.

O tempo passa rápido, lembro do dia 27 de janeiro de 2013 como se fosse há poucos dias. Lembro da sensação ruim de estar vivendo um pesadelo, do medo de ter algum conhecido, do sentimento pesado no peito. Uma tristeza que tomou conta da cidade – e do mundo.

Não conhecia ninguém que estava lá, mas a tristeza é inevitável. 242 mortes. 242 histórias interrompidas. 242 possíveis amizades. E se eu viesse a conhecer aquele rapaz do sorriso bonito? Aquela menina simpática? Aqueles irmãos inseparáveis? São tantos sentimentos, tantas recordações. Tantas tristezas. É tudo tanto, que nem dá para explicar ou descrever. Só sabe quem viveu a dor de perder um pedacinho de si.

Santa Maria parou no dia 27 de todos os meses. Santa Maria ainda para quando lembra de cada sorriso que se foi. Mas ao mesmo tempo, Santa Maria ficou tão unida que não poderia ser conhecida de outra maneira que não fosse “Coração do Rio Grande”.

Santa Maria, nome merecido de nossa Mãe do Céu. Cheia de histórias, de tristezas e alegrias, de uma força sem igual.

Vi toda a solidariedade de pessoas que não tinham nada a ver com o ocorrido, mas que se sensibilizaram de uma forma indescritível. Vi o amor renascer das cinzas. Doeu. Ainda dói, bem no cantinho do coração. Mas a vida segue, ainda que a saudade lateje e a gente pense em desistir.

Sei que nada do que eu disser fará muito sentido comparado a tanta dor e sofrimento, mas minha maneira de rezar é escrevendo. Cada palavra é um sentimento, uma oração, um desejo de dias melhores a todos nós.

Que essa rosa branca represente a paz de corações silenciados, carregados de uma saudade pura que nunca vai sarar. Que cada coração vivencie a esperança de uma manhã melhor, sem esse sabor amargo.

Força, Santa Maria.